Políticas Públicas

Andeps e Asminc promovem debate sobre os impactos sociais da Reforma da Previdência e suas implicações para a proteção social

A Associação Nacional da Carreira de Desenvolvimento de Política Sociais (Andeps) e a Associação dos Servidores do Ministério da Cultura (AsMinc) promoveram na última quarta-feira (17 de maio) um debate sobre os impactos da Reforma da Previdência (PEC 287/216), que propõe alterações no texto constitucional, em especial no capítulo que trata das regras de acesso ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS). O debate contou com a participação de duas grandes referências na temática, Luciana de Barros Jaccoud (IPEA) e Floriano Martins de Sá Neto (ANFIP)*, que rebateram a tese de déficit da Previdência e demonstram como o governo tem manipulado os dados de forma irresponsável para garantir o apoio da opinião pública. Também foram apresentados estudos do IPEA com prognósticos dos impactos potenciais das mudanças propostas, com dados que demonstram como os mais pobres poderão ter seu direito à aposentadoria restringido. A Subsecretaria de Regime Geral da Previdência Social, do Ministério da Fazenda, também foi convidada, mas não enviou representante para a discussão, alegando outras atividades previamente assumidas.

A previdência social é um dos instrumentos mais efetivos de redistribuição de renda do país, alcançando 33,7 milhões de beneficiários em 2016. Um dos focos da apresentação da pesquisadora Luciana Jaccoud (Ipea) foi a real possibilidade de aumento da desigualdade caso a proposta atual seja aprovada. Segundo estudo da Diretoria de Estudos e Políticas Sociais (Disoc) do IPEA, com base nos dados de 2014 do RGPS Urbano, as novas regras de tempo mínimo de contribuição excluiriam 26% dos homens ocupados e 44% das mulheres ocupadas do direito à aposentadoria, afetando parte considerável da população e ainda aumentando a desigualdade de gênero na velhice.

Segundo Jaccoud, no meio rural a proposta é ainda mais desastrosa e representa uma clara ruptura do pacto social solidário representado pela Constituição de 1988. Os/as trabalhadores/as rurais assalariados/as e os/as agricultores/as familiares não seriam mais regidos por um regime especial. Hoje, esse regime  estabelece regras mais flexíveis por considerar a pluriatividade no meio rural, a penosidade do trabalho no campo, assim como o início precoce das atividades laborais. Segundo o texto aprovado na Comissão Especial da Câmara dos Deputados, a mesma lógica contributista do meio urbano seria aplicada aos agricultores e agricultoras, exigindo contribuições individuais e mensais, o que na prática excluiria grande parte das famílias, suscetíveis à sazonalidade das culturas agrícolas e aos eventos climáticos que comprometem a renda esperada.

Jaccoud também afirmou que a Reforma da Previdência afeta mais as mulheres e trabalhadores/as que se aposentam por idade, fato que tem relação direta com uma menor escolaridade. A pesquisadora disse que a reforma também aumentaria a desigualdade entre homens e mulheres, entre trabalhador/a formal e informal e a desigualdade de renda, substituindo a lógica de seguridade social pela lógica do assistencialismo social.

O auditor fiscal Floriano de Sá Neto (ANFIP) também criticou a proposta de Reforma da Previdência, contestando as contas apresentadas pelo governo. Segundo Floriano, a seguridade social vem socorrendo o orçamento da União no últimos dez anos, com a destinação de parte do dinheiro constitucionalmente vinculado à seguridade social para outras finalidades.

Contexto

A Constituição Federal de 1988 estabeleceu um modelo de Estado e de sociedade comprometidos, com a cidadania e a dignidade da pessoa humana, tendo estabelecido, dentre seus objetivos, o de construir uma sociedade livre, justa e solidária, erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais. Para além disso, o texto prevê a construção progressiva de direitos no intuito de melhorar a condição social do trabalhador e de não reduzir as suas conquistas históricas e fundamentais. Em muitos casos, a inscrição do direito no texto constitucional não garantiu sua efetiva conquista na vida social. Mas, estabelece um terreno de lutas.

A previdência social é uma política pública estatal garantida constitucionalmente e, enquanto componente da seguridade social brasileira, exerce um papel fundamental como política social de redistribuição de renda funcionando como fator, inclusive, de combate à pobreza e de redução das desigualdades.

Vivemos um momento de em que o governo tem apresentado propostas estruturantes que mudam substancialmente as condições de trabalho, renda e do pacto social firmado pela Constituição Federal de 1988. Tais reformas propostas não passaram por um debate amplo com a sociedade nem tiveram o crivo das urnas.  Um exemplo disso é a PEC 287/2016, que propõe alterações na Constituição de 1988 de modo a restringir o direito à Seguridade Social. As mudanças afetam o acesso à aposentadoria, o cálculo do valor dos benefícios previdenciários e assistenciais, a possibilidade de acumulação de benefícios e as contribuições, além de estabelecer restrições mais duras até que as que se veem em países cujas populações não enfrentam a vulnerabilidade social existente no Brasil. As propostas de mudança excluem do sistema de proteção social considerável parcela da população brasileira e prejudica, em especial, as mulheres e os/as trabalhadores/as rurais.

Grupo de Trabalho da Andeps

O evento é parte do esforço da Andeps de consolidar e promover espaços de debate qualificado sobre as políticas sociais, com um caráter transversal, e integra o Ciclo de Políticas Sociais em Debate. Foi construído no âmbito do grupo de trabalho sobre as Reformas da Previdência e Trabalhista, formado em abril deste ano e composto por ATPS de diferentes ministérios.

O Grupo tem como objetivo consolidar documentos aprofundando a análise sobre os impactos sociais da Reforma da Previdência e da Reforma Trabalhista, levando em conta toda a agenda de reformas como a já aprovada Emenda à Constituição 95/2017, que limita os gastos públicos por vinte anos, e o recém aprovado PL da Terceirização (4308/1998), assim como a toda e qualquer alteração na legislação previdenciária e trabalhista que acarrete em perda e/ou limitação do acesso a direitos sociais ou retrocessos nas políticas de proteção aos/as trabalhadores/as e aposentados/as.

Gostaríamos, por fim, de convidar os/as ATPS para integrarem os trabalhos do GT sobre as Reformas da Previdência e Trabalhista. Basta manifestar interesse pelo email  associacao.andeps@gmail.com!

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*Mini currículo das/os debatedores

Luciana de Barros Jaccoud, socióloga e doutora em Sociologia pela Escola de Altos Estudos de Ciências Sociais (EHESS-Paris).  Técnica de planejamento e pesquisa do Ipea.  Foi conselheira do Conselho Nacional de Assistência Social (2002-2004) e assessora especial do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (2010-2014). Atua como colaboradora da Escola Nacional de Administração Pública (ENAP) e como pesquisadora associada ao Grupo de Pobreza e Políticas Sociais da Clacso.

Floriano Martins de Sá Neto, vice-presidente da ANFIP- Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil. Bacharel em Engenharia e Direito. Auditor Fiscal desde abril de 1987. Foi chefe da Região Fiscal de Cuiabá (MT) e presidente da Afismat (Estadual da ANFIP). Na ANFIP, foi presidente do Conselho Executivo (1993/1995), tendo exercido diversos cargos até 2001, e vice-presidente de Assuntos Parlamentares da ANFIP (2013-2015). Foi Secretário-Executivo do Ministério da Previdência Social-MPS em 2004. Presidente da AFIPDF (2010/2013). Diretor-Presidente da Fundação ANFIP em dois mandatos (2009/2011 e 2011/2013).