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Nota da ANDEPS sobre Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional em decorrência de desassistência à população Yanomami

A Associação Nacional da Carreira de Desenvolvimento de Políticas Sociais (ANDEPS) vem a público manifestar-se sobre a situação de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN), em decorrência de desassistência à população Yanomami, declarada pelo Ministério da Saúde, por meio da Portaria GM/MS Nº 28, de 20 de janeiro de 2023. A ANDEPS apoia a criação de Comitê de Coordenação Nacional para Enfrentamento à Desassistência Sanitária das Populações em Território Yanomami, pelo Decreto Nº 11.384, de 20 de janeiro de 2023, para a elaboração de plano de ações estruturantes com vistas ao enfrentamento à desassistência sanitária das populações em território Yanomami e aos problemas sociais e de saúde dela decorrentes.

O garimpo na Terra Indígena Yanomami gera graves impactos sociais, ambientais e epidemiológicos para a população Yanomami. A escalada de conflitos no território, a situação alarmante da malária e a contaminação da água e dos peixes por mercúrio, são algumas das suas consequências mais diretas. Convivendo com as invasões massivas ao território há mais de três décadas, a população indígena Yanomami viu as invasões aumentarem, resultando em graves violações aos direitos humanos. Nos últimos anos, a situação se intensificou, segundo relatório da Hutukara Associação Yanomami. Somente no período de 2018 a 2021, a área degradada pelo garimpo mais que dobrou.

A invasão das terras demarcadas, em especial por garimpeiros ilegais, afeta a população indígena Yanomami em vários aspectos: contaminação dos rios e, consequentemente, intoxicação dos indígenas, dos animais e dos plantios; aumento dos casos de malária e outras doenças transmissíveis (como a covid-19), o que afeta a força de trabalho nas atividades de subsistência; conflitos com a população e também com os profissionais de saúde que atuam no território; e aliciamento dos jovens indígenas para desenvolvimento de atividades associadas ao garimpo.

Todo o impacto negativo da degradação ambiental vulnerabiliza a Segurança Alimentar e Nutricional das populações Yanomami. Esses povos baseiam sua subsistência na coleta, na caça e na pesca, portanto, a contaminação e invasão de seus territórios têm estreita correlação com a mortalidade infantil.

Considerando a situação de ESPIN, elencamos algumas ações fundamentais no âmbito das políticas sociais:

Proteção Territorial

Reforçamos a necessidade de desintrusão da Terra Indígena Yanomami com ações para garantia de proteção permanente do território demarcado para que não ocorram novas invasões com inevitável degradação da vegetação e da fauna, imprescindíveis para a saúde da população Yanomami.

Além de conflitos que colocam a vida da população Yanomami em risco, o garimpo também prejudica a segurança das equipes de saúde que atuam no território, fragilizando ainda mais sua atuação e prejudicando à assistência permanente à saúde dos Yanomami.

A desintrusão, a salvaguarda do território e do acesso aos recursos naturais é primordial para a garantia da qualidade de vida e do bem estar da população Yanomami. As ações de monitoramento, fiscalização e vigilância territorial, assim como as estruturas e os recursos materiais e humanos para sua execução devem ser fortalecidos urgentemente.

Terra é saúde para os Povos Indígenas!

Assistência à Saúde

A atenção diferenciada à saúde é uma premissa indispensável à atuação das equipes multidisciplinares de saúde indígena do Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami (DSEI/YAN), e também se estende à Força Nacional do SUS e à equipe do EpiSUS. Trata-se de um princípio inegociável do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena do SUS e expressa uma importante conquista dos povos indígenas, debatida ao longo das conferências de saúde indígena.

O plano interministerial deve priorizar ações voltadas à promoção da Segurança Alimentar e Nutricional e ao combate da desnutrição a curto, médio e longo prazo, com a garantia da participação de representantes das comunidades no processo de construção de estratégias, metodologias de implantação, monitoramento e avaliação de ações sustentáveis para a garantia da soberania alimentar.

Reforça-se, ainda, que no caso das ações de combate à desnutrição, a capacitação em serviço dos Agentes Indígenas de Saúde se faz necessária para a sustentabilidade da vigilância alimentar e nutricional nas comunidades. Sugere-se ainda reforçar a atuação dos conselheiros locais e distritais de saúde indígena para as ações de monitoramento e avaliação.

Destaca-se que o excesso de morbidade e mortalidade por doenças infecciosas, dentre elas a malária, parasitoses e enfermidades respiratórias, estão estreitamente associadas ao grave quadro de desnutrição e indica a ausência ou pouca resolutividade das ações de atenção primária à saúde a despeito do incremento orçamentário do DSEI/YAN ao longo dos anos.

Assim, faz-se necessário o fortalecimento das ações de atenção primária in loco, provendo estrutura e recursos necessários para que os cuidados possam ser adequados e resolutivos no território indígena, com a garantia de assistência permanente, sem intervalos de desassistência entre as trocas de equipes de área.

Sugere-se também a identificação de possíveis parcerias intersetoriais e o incentivo a pesquisas que possam melhor subsidiar as ações de saúde, desde que sejam do interesse do Povo Yanomami, respeitando o dever de consulta prévia, livre e informada.

Fortalecimento das instituições

A garantia da proteção territorial, assistência à saúde e bem viver do Povo Yanomami estão atrelados ao fortalecimento de instituições que foram propositalmente desmontadas e sucateadas nos últimos anos. É urgente a reestruturação e recomposição da força de trabalho de órgãos como FUNAI, ICMBio, IBAMA e SESAI para que cumpram sua função institucional de preservação do meio ambiente, proteção aos povos indígenas e recuperação e promoção à saúde.

Enfatiza-se, nesse sentido, a extrema importância de se garantir no DSEI Yanomami gestores comprovadamente qualificados e comprometidos com a sustentabilidade das ações interministeriais ora iniciadas. A defesa do equilíbrio sanitário, social e ambiental do Território Yanomami só será possível com uma gestão alicerçada nesses critérios.

 Ações Intersetoriais

A garantia da Segurança Alimentar e Nutricional requer um conjunto de ações intersetoriais articuladas de modo a interferir efetivamente no complexo curso da fome e da desnutrição. O Brasil já foi destaque internacional na implementação e coordenação de políticas públicas com o objetivo de enfrentar a fome, com ampla participação popular através do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA), objeto de desmonte no último governo. Ações como o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e Ação de Distribuição de Alimentos a Grupos Populacionais Tradicionais Específicos (Cesta de Alimentos) contam com perfis e incentivos específicos para populações indígenas, bem como com mecanismos para reconhecimento e respeito aos hábitos e cultura alimentar dos diferentes povos.

Nesse sentido, o enfrentamento da situação de emergência em que se encontra o Povo Yanomami está intimamente vinculado com a recuperação dos esforços e canais institucionais de participação, articulação e coordenação de políticas públicas capazes de garantir de forma permanente a Segurança Alimentar e Nutricional da população.