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Estímulo ao uso de canais faz denúncias de assédio aumentar no governo federal

O número de denúncias e reclamações de assédio sexual e moral registrados pela Controladoria Geral da União (CGU) bateu recorde, desde que se iniciou a série histórica, em 2017. Reportagem do site Metrópoles informa que foram 4.162 denúncias entre 1º de janeiro até 25 de agosto de 2023.

Desse total, 3.001 foram respondidos, 397 ainda estão em análise e 764 acabaram arquivados. O tempo médio de resposta está sendo de 16 dias. A maior parte dos casos é de assédio moral, com 2.829 ocorrência, enquanto o de assédio sexual possui 569. 

É preciso compreender o que está por trás desse dado alarmante. Desde 2019, ano marcado pelo primeiro ano da gestão do presidente Bolsonaro, foi visível o aumento dos casos de assédio institucional. No entanto, naquele período, o tema não era abordado e muito menos tratado pela Administração, e as denúncias acabavam sendo levadas para as entidades sindicais, como a ANDEPS. 

Danielle Henderson, ATPS e ouvidora do IPHAN, afirma que é fundamental compreender o contexto em que se dá esse aumento. “Os dados revelam um panorama complexo, no qual a série histórica desde a criação do Fala.BR ganha um novo significado à luz dos acontecimentos recentes. Essas mais de 4 mil denúncias recebidas de janeiro até agosto são um reflexo tanto do comprometimento na abertura e divulgação de canais de denúncia quanto da confiança crescente que os indivíduos têm adquirido nesses canais. Importante ressaltar que esse aumento não deve ser diretamente atribuído a um único ano, mas sim a um esforço contínuo para enfrentar uma questão que antes permanecia subnotificada.”

De acordo com a ATPS Ana Carolina Quintanilha, ouvidora do MGI, o assédio institucional também se expressa de forma sutil e indireta, principalmente nas interações em contrariedade às regras de conduta e atribuições de responsabilização nas relações hierarquizadas da administração pública. “O assédio institucional pode se dar inclusive, por omissão, como por exemplo um superior hierárquico não formalizar por escrito um comando ou ordem, ou não assinar um documento no SEI [Sistema Eletrônico de Informações], ou não permitir ou hostilizar servidores que formalizaram de maneira correta uma situação no SEI, ainda que amparados na lei e normativos. Então essas intimidações, perseguições, ameaças, constrangimentos e desautorizações também conformam o assédio institucional e conduzem ao adoecimento generalizado, de servidores e de servidoras e das instituições, que agonizam conjuntamente”, afirma.

Ao analisar que o fenômeno estava se institucionalizando no governo federal, entidades associativas e sindicais, em torno da ARCA, criaram em 2020, o Assediômetro, uma ferramenta para recepcionar e registrar os casos de assédios crescentes. Além disso, a ANDEPS, em parceria com a Afipea editou, no mesmo ano, o “Guia Assédio Institucional: O que é? Como enfrentar?” Em 2021, o tema seguiu como um dos focos de preocupação e de atuação da ANDEPS. E, ao longo de 2022, a ANDEPS fez uma parceria com À Flor da Pele – rede de relações institucionais e de saúde mental – com o objetivo de construir espaços de acolhimento para associadas e associados que buscam apoio em situações de assédio institucional. A iniciativa culminou no Setembro Amarelo com a publicação de e-book e vídeos produzidos pela À Flor da Pele, e a realização, em outubro, de uma roda de conversa para compartilhamento e apoio mútuo.

Assédio: a importância de se denunciar

Ainda de acordo com a CGU, de janeiro a maio, houve um aumento de denúncias, com um pico de casos naquele mês, e de lá para cá a quantia tem caído. O aumento dessas denúncias vem sendo acompanhado da criação de mais ferramentas para que o assédio, seja ele moral ou institucional, não se mantenha em segredo e para que se reduza os casos de subnotificações. 

“O aumento das denúncias deve ser entendido como um sinal de progresso, trazendo uma maior conscientização sobre a gravidade do assédio sexual e moral e uma disposição crescente para enfrentar esse tipo de comportamento de maneira transparente e assertiva. É um passo na direção certa, na construção de um ambiente de trabalho mais seguro e respeitoso para todos os indivíduos”, acrescentou a ATPS Danielle. 

O combate à subnotificação fortalece a cultura de responsabilidade e prestação de contas das instituições públicas e requer esforços coordenados. “Para além de implementar canais seguros e confidenciais para denúncias, é importante oferecer suporte emocional às pessoas que experienciaram essa realidade e aprimoramento dos mecanismos para garantir investigações imparciais. Em resumo, enfrentar a subnotificação de casos de assédio moral, sexual e institucional é um passo fundamental para criar um setor público mais ético, transparente e justo”, reforça a ATPS Ana Carolina.

“É importante notar que esses números também podem sugerir a necessidade contínua de revisitar políticas e programas, treinamentos e medidas de prevenção para efetivamente erradicar o assédio em todas as suas formas. A série histórica agora ganha um novo propósito: não apenas reflete a evolução das denúncias, mas também a transformação de uma cultura do serviço público que busca justiça, igualdade e respeito”, conclui Danielle. 

Em julho deste ano, o governo federal lançou o Grupo de Trabalho Interministerial (GTI) para a elaboração do Plano de Enfrentamento ao Assédio e à Discriminação na Administração Pública Federal. Três integrantes da carreira de Desenvolvimento de Políticas Sociais estão contribuindo com o GTI: Ariana Frances (Ouvidora-Geral da União), Caroline Dias dos Reis (Coordenadora-Geral de Processos e Gestão Documental no MDHC) e Ana Carolina Quintanilha (Ouvidora do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos).